Entrevista com Massu, capitão do Club Sportivo Sergipe e da Seleção Sergipana durante a década de 1920 e início da década de 1930 para o Correio de Aracaju, publicada no dia 24 de outubro de 1939.
Transcrição feita por
Davi Tenório através da edição digitalizada encontrada no sítio eletrônico: Jornais de
Sergipe: Correio de Aracaju (ufs.br)
Massu, “half” esquerdo da
velha guarda do Sergipe relembra os áureos tempos do futebol Sergipano.
Não deixa de constituir
um acontecimento interessante, relembrarem-se fatos vividos em épocas passadas,
fazendo o nosso espírito sobrepairar retrospectivamente, trazendo-nos à mente
em uma nota de tristeza e saudade, os velhos tempos que não mais voltam. No
esporte, principalmente, essa curiosidade natural assume aspecto duplamente
interessante pelas várias mutações do tempo.
Maximino Silva, ou
“Massú”, como é conhecido, foi uma das maiores glórias do nosso futebol, sendo
ainda hoje lembrado com simpatia, como um exemplo de disciplina, cavalheirismo
e educação esportiva e social. Seria, pois, interessante entrevistar o antigo
jogador que dedicou todo o seu ardor na defesa da gloriosa bandeira do
“C.S.Sergipe”. Não pensem os leitores, por nos referir ao passado, que vamos
encontrar um velhinho de cachimbo à boca, olhos lacrimejantes a carpir saudoso,
recordando os áureos tempos que se passaram. Absolutamente! Massu conta
atualmente com 34 anos de idade, em plena juventude, portanto, e desenvolvendo
sua atividade com dinamismo no Posto de Lubrificação (ilegível). A nossa
reportagem foi feliz encontrando em Massu a melhor boa vontade em atender-nos.
Abordado, o antigo crack começou logo a desfiar o infindo rosário da sua
brilhante, vitoriosa e exemplar carreira esportiva:
Detalhe para os uniformes dos jogadores na década de 1920, período em que Massu iniciou sua carreira. Infelizmente, não temos a relação dos nomes desses atletas. |
Massu - Joguei
a minha primeira partida de futebol na ponta direita, em 1920, envergando a
querida camisa do Sergipe, onde atuei durante todo o tempo que permaneci em
contato com a bola, mais ou menos 14 anos. Digo bem 14 anos, porque em 1934
indo o Sergipe a Penedo e não tendo ainda um substituto para a minha posição
desde 1933 que deixara de jogar, fui prestar o meu último serviço à bandeira
rubra. Como disse, a primeira partida joguei de ponta direita, porém da segunda
em diante, passei a jogar de médio esquerdo, posição que ocupei até abandonar o
futebol por não dispor de tempo para isso. Hoje nem sequer vou ao campo, porém
a minha dedicação pelo Sergipe é imorredoira.
Correio de Aracaju –
Qual o melhor jogador do seu tempo e atualmente?
Massu –
Manoel Augusto, um center-half que possuía as qualidades essências a um
perfeito “futeboler”. Ótima colocação, distribuidor impecável. “tijoleiro”
afamado, Manoel Augusto naquela época foi uma maravilha. Era irmão de Candinho,
ex meia esquerda do Sergipe, que também foi um grande jogador. Atualmente
considero Américo do Cotinguiba o crack absoluto do Estado.
Correio de Aracaju –
Que diz do futebol de hoje?
Massu –
Hoje verdadeiramente existe mais é interesse e nenhum ardor. Acabou-se esta
história de dedicação por clube como antigamente.
Correio de Aracaju –
Foi campeão alguma vez?
Massu sorri, um sorriso
largo e responde significativamente - Apenas em 1922, 1924, 1927,
1928, 1929, 1932 e 1933. Sempre pelo meu querido Sergipe.
O Sergipe campeão de 1932. Infelizmente, não identificamos até o momento os jogadores presentes na foto. Provavelmente, Massu está presente na imagem, pois era o capitão rubro na campanha. |
Correio de Aracaju –
Formou alguma vez em selecionados?
Massu –
Sim. Dentro do Estado de 1922 a 1929. Em jogos interestaduais, formei no “scratch”
que derrotou os paraibanos por 6 x 1, isto em 1929. Neste mesmo ano, perdemos
para os baianos de 8 a 2. Sinto prazer em dizer ao caro repórter que durante
toda a minha vida esportiva fui sempre “captain” do meu clube, como também dos “scratches”
em que formava. Esta distinção sempre tive.
Correio de Aracaju –
Tem alguma recordação agradável da sua carreira?
Massu –
Inúmeras, por exemplo a excursão do Sergipe a Maceió em 1923 para jogar com o
Centro Sportivo Alagoano (CSA), foi um acontecimento tão importante que jamais
esquecerei. Tivemos uma manifestação de acolhimento entusiástica que ainda hoje
recordo-me com satisfação. Lembro-me também envaidecido do concurso para a
escolha do melhor jogador do Estado, no qual fui premiado com medalha de ouro.
Outro acontecimento, também de grata recordação, foi a vitória do Sergipe sobre
o “scratch” cearense por 1 x 0, depois do nosso selecionado ter perdido por 2 x
1. Isso em 1925, aqui em Aracaju. Nesse jogo, o Sergipe reabilitou o futebol do
nosso querido Estado.
Correio de Aracaju –
Tem alguma recordação triste do futebol?
A fisionomia de Massu
transforma-se repentinamente, passando de alegria para tristeza. Olha melancolicamente
para o repórter do Correio, suspira, como que desabafando uma grande dor que
lhe viera d’alma e fala com tristeza - Sim. Jamais me
esquecerei da trágica morte de Crinho, ponta direita do Sergipe. Foi mais ou
menos em 1929. Não tenho absoluta certeza. O Sergipe estava realizando um
treino, numa tarde de sol causticante. Eu estava marcando Crinho, quando ele se
apodera da bola e escapa (era um relâmpago) na direção do gol guarnecido por
Maneca, deixando me atrás. Na carreira, a bola, impelida pelo bico da chuteira,
adianta-se um pouco, mostrando-se favorável à Maneca. O jovem e infeliz ponta
direita não para. Maneca arroja-se aos seus pés e entrechocam-se violentamente.
Presenciai então um espetáculo terrível. De um lado, Maneco com o queixo deslocado,
impossibilitado de falar, se esvaindo em sangue pelos ouvidos. Do outro, Crinho
que recebe uma forte pancada na fronte jazia sem gemidos. Daí foram para a
Assistência Pública e 5 horas depois, isto é, as 22 horas, o infeliz Crinho
expirava, cercado de todos os seus amigos e fãs. Pobre Crinho! Tão cedo em
circunstâncias tão trágicas, a morte roubara o nosso convívio.
Massu, agora, não parece
o mesmo de quando iniciamos a entrevista. Calado, olhando fixamente para o
solo, balança automaticamente a cabeça, como se estivesse presenciando o
trágico quadro de tantos anos passados. A nossa última pergunta tocara-lhe
profunda e dolorosamente na alma.
Pedimos desculpas,
agradecemos e com um abraço, despedimo-nos do antigo “crack” do Sergipe.
Nessa entrevista está estampado o verdadeiro sentimento e paixão pela equipe RUBRA.
ResponderExcluir