sábado, 12 de janeiro de 2019

Clássicos que deixaram saudades: o Sergipe frente aos antigos clubes de Aracaju (Parte I: Clássico Vovô).

O Almanaque do Gipão inicia uma série sobre os antigos duelos envolvendo o Sergipe e os clubes de Aracaju que há muito tempo não atuam nos gramados.

Por Davi Tenório

“Esse jogo não é um a um
(se o meu clube perder é zum-zum-zum)”
Edgar Ferreira

O futebol, assim como toda arte, apresenta variados personagens e diversas manifestações. Dentro deste ambiente plural, é comum que haja figuras protagonistas que despertem e disputem as paixões de quem se envolve com o espetáculo. Quando a disputa ganha espaço cativo no imaginário do torcedor e na história do esporte passamos a denominá-la de clássico. A paixão envolvida nesses duelos é bem visível nos versos de Edgar Ferreira, eternizada na voz de Jackson do Pandeiro, o qual demonstra com perfeição a carga de um clássico futebolístico.
Há clássicos que mantém a sua regular periodicidade, atravessando gerações e pulsando o sangue dos torcedores. Por outro lado, há clássicos que, por diversos motivos, não acompanham as metamorfoses oriundas do decurso do tempo, mas nem por isso perdem seu “status”. Um clássico nunca morre. Sendo assim, aproveitamos para relembrar a história dos antigos clássicos envolvendo o C.S.Sergipe e as tradicionais agremiações aracajuanas que há muito não desfilam pelos gramados sergipanos.


As primeiras equipes de futebol do Sergipe e do Cotinguiba.


O Clássico Vovô

Se algum aracajuano pudesse retornar ao passado, mais precisamente no início do século XX, provavelmente poderia se surpreender com uma multidão aglomerada na Rua da Frente assistindo atenciosamente as regatas disputadas no principal rio que banha esta cidade. Também poderia ouvir dos desportistas e dos espectadores discordâncias quanto ao seu verdadeiro nome. Talvez mal saberia este viajante do tempo que estaria diante do mais antigo clássico do esporte sergipano, o qual teve como primeiro embate a discordância em relação ao nome do primeiro clube organizado em base sólidas no nosso estado, o Cotinguiba Sport Club, fundado no dia 10 de outubro de 1909 no suntuoso salão do Hotel Brasil, com as cores azul e branco (VIANA FILHO, Francisco. Crônica Esportiva. p. 195). Acontece que um grupo de fundadores não se conformaram com o nome dado à agremiação, e assim resolveram fundar outro clube batizado de Club Sportivo Sergipe, no dia 17 de outubro de 1909, na sede da Associação Comercial, com as cores vermelho e  branco.
Há aqueles que rechaçam essa versão da origem do mais antigo clássico sergipano, preferem adotar a versão “mais lógica”, a qual se resume na necessidade de outro clube desportivo para disputar com o “Decano da Fundição”. Mas, se a própria história da fundação da antiga Roma Clássica é compatível com a narrativa lúdica das crianças amamentadas por uma loba, porque nós sergipanos não poderíamos ter a nossa própria versão lendária?


Remadores do Sergipe (esquerda) e do Cotinguiba (direita) campeões de 1917 e 1918, respectivamente.
Apesar da fundação de ambos os clubes ter ocorrido em outubro de 1909, apenas no dia 11 de junho de 1910 aconteceu a primeira regata disputada pelos dois clubes, vencida pelo Sergipe e seu lendário barco Nereida (Correio de Aracaju, 15.06.1910). O Clássico Vovô voltou a acontecer no dia 08 de janeiro de 1911, quando os rubros organizaram uma grande festa de inauguração da sua “garage” na antiga localidade da Fundição. Após a apresentação dos “escalares” da Capitania dos Portos e da Escola de Aprendizes Marinheiros, houve o então aguardado páreo entre os remadores do Sergipe e do Cotinguiba. Só que desta vez, os alvianis do barco Igara deram o troco ao vencer a disputa  (O Estado de Sergipe, 10.01.1911). Desde então, as águas do rio Sergipe passaram a receber inúmeras provas náuticas entre os remadores dos dois clubes, com uma grande aglomeração de pessoas de todas as classes sociais prestigiando as disputas.
Os primeiros anos da dupla Sergipe e Cotinguiba foram restritos às competições náuticas e bailes organizados em suas sedes. Havia ainda ares elitistas predominando nas agremiações, que resistiam ao crescimento do popular esporte bretão nas praças públicas de Aracaju. Este panorama fora alterado no ano de 1916, quando os alvirrubros e alvianis formaram um combinado, o “escrete de Aracaju”, para enfrentar e derrotar o Sergipe F.C. de Propriá pelo placar de 4 a 0. Após a conquista, os sócios das duas agremiações decidiram realizar uma partida entre si para decidir o destino do troféu obtido na partida contra os propriaenses. Foi então que no dia 10 de dezembro de 1916, novamente na praça Pinheiro Machado (atual Tobias Barreto), Sergipe e Cotinguiba duelaram pela primeira vez com equipes próprias, iniciando, assim, o primeiro clássico dos gramados sergipano (Diário da Manhã, 12.12.1916). A partida terminou 3 a 2 para os rubros. Coube à Roque a proeza de marcar o primeiro gol da história do Club Sportivo Sergipe e do clássico Vovô, assim como o segundo gol da equipe. Já Godofredeo foi o autor dos dois gols alvianis e Clóvis o primeiro a marcar contra e a favor do Sergipe.


O Clássico Vovô era sinônimo de estádio lotado, como bem informava o Correio de Aracaju, 30.06.45.
Com a adoção do futebol pelos dois clubes veteranos, houve progressivamente a predominância desta modalidade esportiva sobre as regatas, assim como a popularização das duas agremiações, as quais passaram a levar multidões às principais praças esportivas do estado. A partir da criação da Liga Desportiva Sergipana, tornou-se possível a realização do primeiro Campeonato Sergipano de Futebol no ano de 1918, cujo troféu, desta vez, foi conquistado pelo Tubarão da Praia após vencer o Sergipe pelo placar de 2 a 0. É interessante destacar que as equipes sergipanas adotaram a prática de trazer jogadores do futebol baiano, então considerado o mais avançado da região, para se reforçar. Porém, esta prática não era tão comum ao Club Sportivo Sergipe, cujo elenco em sua maioria era composta por jogadores da terra, o que era mais um motivo, somado ao sucesso nos gramados, para torná-lo o Mais Querido entre os sergipanos (VIANA FILHO, Francisco. Crônica Esportiva, p.205).


Após o profissionalismo do futebol sergipano, o Clássico Vovô havia perdido a sua força. Bem visível nesta foto de um Batistão vazio em 1974. 
Apesar das glórias e da tradição, o Decano do futebol sergipano passou a enfrentar frequentes crises políticas e financeiras. Já no ano de 1930, o clube dissolveu a sua equipe de futebol, só retornando aos gramados em 1936. Também não participou do campeonato de 1949, por não aceitar a jogar no campo improvisado do “Tobias Barreto”. Com a adoção do profissionalismo no futebol, o clube passou a ter dificuldades para se adaptar as novas exigências, já que era preciso arcar com a formação de elencos remunerados, além de buscar públicos pagantes e auxilio dos Poderes Públicos. Desse modo, os alvianis passaram a ficar ausentes de várias edições do principal campeonato de futebol, até retornar no ano de 1994. No entanto, o Cotinguiba já não detinha a força e o apoio das multidões alvianis dos tempos de craques como Godofredo, Oscar Conceição, Liosmar e Charuto. O Clássico Vovô também já havia deixado há bastante tempo o posto de principal duelo do futebol sergipano, quando no dia 13 de julho de 1996 se enfrentaram pela última vez em campeonatos sergipanos. A sonora goleada rubra por 7 a 0 era uma clara e triste evidência do declínio do clássico mais antigo do futebol sergipano, o qual dificilmente retornaremos a presenciar, já que desde 2012 não há formação de uma equipe de  futebol profissional do Cotinguiba.


Após vencer o Campeonato Sergipano Série A2 de 1993, o Cotinguiba voltou à elite do futebol sergipano no ano de 1994 (foto), mas a sua passagem só duraria 3 temporadas até ser rebaixado em 1996.



Fontes:
VIANA FILHO, F. A . Crônica Esportiva. Aracaju: Universidade Tiradentes – UNIT, 2014. 
Correio de Aracaju, edições de 15.06.1910 e 30.06.1945.
Diário da Manhã, edição de 12.02.1916.
O Estado de Sergipe, edição de 10.01.1911.
Revista Fon Fon, ed. 29, 1917. 
Revista Sport Illustrado.

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