quarta-feira, 5 de junho de 2019

O protagonismo rubro para além de um século

Por Davi Tenório


            Uma instituição que atravessa 110 anos exercendo relevante papel sócio-cultural jamais morrerá. Há mais de um século, o Club Sportivo Sergipe presencia as diversas manifestações do cotidiano do nosso estado, seja na esfera esportiva, na social, na cultural e na política. O Sergipe não esteve em uma posição passiva: foi pioneiro e atuante, moldando-se e ligando-se às novidades e às necessidades de cada período histórico. Esta característica, mais do que nunca, deve ser posta em ação no difícil presente, observando e, sobretudo, respeitando os exemplos da sua grande história.

(Foto: Davi Tenório)

           
Em uma época na qual a pacata província se deparava com as instigantes novidades vindas de fora, jovens idealistas sonharam com a implementação de uma cultura social e esportiva vista nos grandes centros do país, porém com uma identidade genuinamente sergipana. A princípio, lançaram-se sobre as águas do rio que não só nos banha, mas que batiza os filhos desta terra. Nesta fase, ainda havia muito caminho a ser percorrido, além de barreiras a serem ultrapassadas. Uma instituição que almeja ser longeva e inserida na sociedade precisa se abrir a ela. Assim, esses jovens visionários cederam aos apelos de um esporte que se popularizava em campos improvisados da cidade. Já no primeiro contato com o futebol, contamos com a bravura e o talento de nomes como Roque, atleta negro e simples “contínuo” (o “office-boy” dos nossos tempos) do Banco do Brasil, que nos honrou não só com o primeiro gol da História Rubra, mas como nosso primeiro ídolo e artilheiro[1] [2].

            Fora das águas e dos campos improvisados, contamos com os esforços de desportistas que buscaram a construção de uma verdadeira praça esportiva[3]. Surge, então, o antigo Estádio Adolpho Rollemberg, colocando Aracaju à frente de muitas capitais do Nordeste[4]. Foi justamente neste novo e moderno gramado que o povo pôde testemunhar o brilho de uma equipe composta majoritariamente de filhos da terra, em oposição aos clubes rivais, repletos de jogadores importados da Bahia. Com a garra do talento local, conquistamos o primeiro de muitos campeonatos no ano de 1922, assim como a preferência dos aracajuanos. Após meio século, novamente desportistas rubros voltariam a medir forças e a levantar alicerces para a construção de uma nova casa. Com o suor e os braços dos próprios torcedores construímos o maior estádio de um clube sergipano: o Complexo do João Hora de Oliveira.
            Este mesmo clube logo abraçaria causas relevantes, como a introdução da formação de atletas juvenis e a defesa da profissionalização do futebol  local, inclusive ao inscrever os dois primeiros atletas no regime profissional: Zé Alvino e Niltinho[5]. O Sergipe também abriria os seus quadros sociais aos torcedores menos abastados, fundamentais para oxigenar e elevar as estruturas do clube[6] [7]. Estas mesmas portas também foram abertas àqueles que sofreram perseguições políticas no período mais obscuro da História do Brasil, mesmo quando se tratavam de ex-dirigentes dos maiores rivais[8] [9]. Atos nobres e corajosos que renderam não só títulos em campo, como também demonstrou que o esporte é um mecanismo de inclusão, de tolerância e de convívio com a pluralidade.
            Por fim, é preciso destacar o nosso maior patrimônio: os inúmeros apaixonados e fiéis torcedores. Quando olhamos as arquibancadas e notamos a presença de um ou milhares de torcedores, lembramos daquele sonho dos pioneiros que almejavam a construção de um sentimento. As arquibancadas poderão passar um tempo vazias, mas logo nos lembraremos das eternas mãos que ajudaram a construí-las, a recuperá-las e a ocupá-las.


[1] Ver a coluna do Fernando Porto na edição de 20 de setembro de 1958 do jornal A Cruzada.
[2] VIANA FILHO, F. A . Crônica Esportiva. Aracaju: Universidade Tiradentes – UNIT, 2014. p. 73.
[3] VIANA FILGO, F.A. A História do Futebol Sergipano: A História completa desde 1907 a 1960 – UNIT, 2014. p. 53-54.
[4] A capital baiana , por exemplo, só inaugurou um campo mais moderno após seis meses com o surgimento do Campo da Graça.
[5] VIANA FILGO, F.A. A História do Futebol Sergipano: A História completa desde 1907 a 1960 – UNIT, 2014. p. 317-320.
[6] Ver a entrevista com o sócio, torcedor e ex-jogador Jocely Pereira Torres no primeiro fascículo da Revista Gigante Rubro. Disponível em : http://almanaquedogipao.blogspot.com/2019/03/revista-gigante-rubro-1977.html
[7] Ver a história sobre o ex-sócio proprietário Pedro Hilário. Disponível em: http://almanaquedogipao.blogspot.com/2019/03/relembrar-para-nao-repetir-golpe.html
[8] O ex-dirigente vascaíno e ex-presidente da Federação Robério García fora deposto deste último cargo com o Golpe Militar de 1964 e assumiu no ano de 1966 a presidência do Club Sportivo Sergipe, sendo campeão no ano de 1967 e exercendo importante papel na construção do Estádio João Hora. Disponível em: < http://almanaquedogipao.blogspot.com/2019/03/relembrar-para-nao-repetir-golpe.html >
[9] Houve também o caso do ex-presidente do Confiança Aerton Silva, preso durante a Ditadura Militar e posteriormente acolhido no Club Sportivo Sergipe onde fora bicampeão sergipano como presidente do clube em 1974/1975. Disponível em:< https://globoesporte.globo.com/se/futebol/noticia/unico-na-historia-aerton-silva-foi-campeao-como-presidente-do-confianca-e-do-sergipe.ghtml >



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