terça-feira, 2 de julho de 2019

“Cinquentanos do Batistão” – O Estádio de Aracaju: o antigo palco principal do futebol da cidade demolido para a construção do Batistão

Por Davi Tenório


            No mês que comemoramos o “cinquentanos” do Batistão, o Almanaque do Gipão inicia uma série de postagens sobre a história do Colosso da Praia e sua relação com o Club do Povo. Nosso pontapé inicial é dado com uma breve história sobre o palco antecessor ao Templo Maior do futebol sergipano, erguido e demolido no mesmo local do estádio aniversariante.

O grande público que encheu o estádio para acompanhar a partida entre o Sergipe e o Vasco da Gama-RJ

            A cidade de Aracaju é uma verdadeira metamorfose geográfica. Há atualmente poucos resquícios dos vastos mangues, restingas e dunas que dominavam a paisagem da cidade. O aracajuano mais jovem que passa pela avenida Pedro Valadares não imagina que há três décadas o pequeno mangue do Tramandaí se estendia pela vasta área dominada pelos condomínios nobres da região, que despejam seus esgotos na espremida área de preservação ambiental. Esse mesmo jovem também mal sabe que a poucos metros, havia uma área predominada por dunas e restingas, na qual era comum encontrar uma pequeno arbusto que batizava a região conhecida como Gragerú. Tão pouco os mais velhos recordam que em Aracaju, há mais de cinco décadas, era preciso passar pela antiga rua do “Caga em Pé” (atual Campo do Brito)[1], atentos ao caminho repleto de Cansanção, para chegar ao principal estádio de futebol. No entanto, não havia nada parecido com o atual estádio, nem mesmo o seu nome. Tratava-se do Estádio de Aracaju. 



Aracaju dos anos 50: Em vermelho a antiga sede do Sergipe, em branco o Cotinguiba e em verde o Estádio de Aracaju, nota-se a paisagem dominada por dunas, mangues e restingas ao fundo da imagem.

            Ao longo da história do futebol sergipano, vários estádios foram palcos de grandes prélios em confrontos locais e interestaduais. O título de principal praça esportiva do nosso estado foi primeiro ostentado pelo antigo estádio Adolpho Rollemberg, de propriedade dos veteranos Sergipe e Cotinguiba. O tempo não foi generoso com o antigo estádio, o qual sofria com a falta de manutenções e de recursos para uma grande reforma. As consequências podiam ser vistas na queda de público nos jogos locais, fato que chamou atenção das autoridades que em novembro de 1944 lançaram o ambicioso projeto de construção de um complexo esportivo não só restrito ao futebol, mas abrangendo também atletismo, tênis, basquete, voleibol e piscina. O local escolhido foi o antigo Horto Botânico (onde era realizadas as exposições agropecuárias), houve um grande evento do lançamento da pedra fundamental, com direito a discurso do orador colorado Jefferson Silva[2]. No entanto, a nova conjuntura política com a queda da Ditadura Vargas e, consequentemente, do Interventor Estadual minguaram os sonhos dos amantes do esporte.


Projeto do Estádio de Aracaju que seria construído na gestão do interventor Augusto Maynard. O local escolhido era o antigo "horto botânico", atualmente ocupado pelo Batistão. A queda da Ditadura Vargas pôs fim ao ambicioso plano.. 
            Foi preciso esperar cinco anos para que um palco minimamente digno do nosso esporte fosse finalmente erguido em nossa cidade. Em meio a uma das maiores crises do futebol sergipano, com seus craques revoando para os centros esportivos vizinhos e seus campos improvisados, ocorreu a inauguração do Estádio de Aracaju no dia 15 de janeiro de 1950. Houve o aproveitamento do projeto inicial elaborado em 1944, mas com a redução de gastos que sacrificaram a proposta de um grande “complexo esportivo”.  Mesmo assim, Aracaju passou a contar com um estádio com capacidade inicial para 7 mil pessoas, posteriormente ampliado para 12 mil espectadores[3].
            É de se ressaltar que ao longo dos seus 18 anos, o Estádio de Aracaju foi palco de “dias de prélios famosos”, eternizados nas páginas que narram os 110 anos da epopeia rubra. Apesar de ser um período com poucas conquistas de Campeonato Sergipano (apenas 4 títulos em 1955, 1961, 1964 e 1967), estas quase 2 décadas compreenderam grandes momentos do Club Sportivo Sergipe. Dentre eles podemos citar o primeiro título conquistado no Estádio de Aracaju, quando a lenda Nilson Barros marcou os dois gols da vitória rubra por 2 a 1 sobre o Santa Cruz de Estância (que passaria a conquistar a hegemonia do futebol sergipano durante cinco anos) em janeiro de 1956[4]. Além do primeiro título, é interessante mencionar a última conquista ocorrida no estádio, ocasião na qual o Mais Querido levantou a taça de campeão sergipano após um empate sem gols no Clássico Maior. A partida ficou marcada por um grande tumulto nas gerais do estádio, que provocou a queda do alambrado, a invasão do gramado por torcedores em pânico e um número considerável de feridos[5].


O acidente que gerou um grande tumulto na final do Sergipano de 1967
             Há de se lembrar também que foi nessa antiga cancha que o Sergipe voltou a receber a alcunha de “O Derrubador de Campeões” ao vencer o Náutico, então campeão pernambucano, por 2 a 1 em 21 de fevereiro de 1965 e ao conquistar a histórica vitória sobre a forte equipe do Bangu, então campeão carioca, por 2 a 0 em 16 de fevereiro de 1967. Também não poderíamos deixar de mencionar o batismo internacional do futebol sergipano, que aconteceu no gramado do histórico estádio quando os colorados derrotaram a Seleção Argentina de Novos pelo placar de 3 a 1. Na ocasião, o Sergipe aproveitou a passagem do jovem selecionado argentino (espécie de sub-20 da época) pelo Nordeste para realizar uma partida comemorativa pelo título estadual de 1967. 


Lances da primeira partida internacional no nosso estado. Vitória do Sergipe sobre a Seleção Argentina de Novos.

            A invenção do país do futebol tem em suas origens a associação da política com as multidões. Em uma nova conjuntura, os agentes políticos iniciaram uma campanha de construção de grandes estádios pelo país e Sergipe não ficou de fora. O velho Estádio de Aracaju não era compatível com a nova política nacional do esporte, logo seria demolido para a construção do novo templo do futebol sergipano.


Referências:
CHAVES, Rubens Sabino Ribeiro. Aracaju: pra onde você vai? Aracaju: Edição do Autor, 2004.
VIANA FILHO, F. A . Crônica Esportiva. Aracaju: Universidade Tiradentes – UNIT, 2014.
VIANA FILHO, F.A. A História do Futebol Sergipano: A História completa desde 1907 a 1960 – UNIT, 2014.
Jornais Diário de Aracaju e Gazeta de Sergipe.
Aos mais curiosos, indicamos o documentário disponível no youtube (https://www.youtube.com/watch?v=YSWFcVLHevA) Club Sportivo Sergipe - Memória Preservada, dirigido por Dida Araújo, no qual há filmagens da partida Sergipe 1 x 3 Vasco-RJ realizada no Estádio de Aracaju.


[1] CHAVES, Rubens Sabino Ribeiro. Aracaju: pra onde você vai? Aracaju: Edição do Autor, 2004. p. 308.
[2] VIANA FILHO, F.A. A História do Futebol Sergipano: A História completa desde 1907 a 1960 – UNIT, 2014. p.199-200.
[3] VIANA FILHO, F.A. A História do Futebol Sergipano: A História completa desde 1907 a 1960 – UNIT, 2014. p. 239.
[4] VIANA FILHO, F.A. A História do Futebol Sergipano: A História completa desde 1907 a 1960 – UNIT, 2014. p. 282-283.
[5] Diário de Aracaju, edição de 23.01.1968 e A Gazeta de Sergipe, edição de 20 e 21.01.1968

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Zé Pequeno: o Príncipe do Futebol Sergipano

  Por Davi Tenório Zé Pequeno, o Príncipe do Futebol Sergipano. 1967. No dia 13 de julho de 2023 o futebol sergipano perdeu um dos seus ...