Por Davi Tenório
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Zé Pequeno, o Príncipe do Futebol Sergipano. 1967. |
No
dia 13 de julho de 2023 o futebol sergipano perdeu um dos seus maiores
protagonistas. Com o sangue nobre dos Xokós, José Silva surgiu como “Zé
Pequeno” para logo ser condecorado pelo seu povo de Sergipe como “O Príncipe do
Futebol Sergipano”. Apesar da pouca repercussão da notícia do seu falecimento
pela mídia e pelas instituições esportivas do estado, Zé Pequeno eternizou seu
nome na história. Prova disso é o reconhecimento de inúmeros torcedores,
principalmente do Club Sportivo Sergipe, os quais são sempre os responsáveis
por manter viva a memória de seus heróis.
Nascido
no dia 17 de agosto de 1944 em Porto da Folha, Zé Pequeno começou sua
trajetória no futebol na cidade de Propriá, como um bom ribeirinho do Velho
Chico, através dos treinadores Bráulio Coruja e Lauro. Apesar de ter feito o
juvenil no América, foi no rival Propriá E.C. que Zé Pequeno começou a se
destacar nos gramados sergipanos.[1]
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Zé Pequeno ao centro ao lado de Zé Torres (esq.) e Carlos (dir). Acervo Pessoal do Prof. Alexandre Santos. |
Não
tardou para que o craque chamasse a atenção dos grandes clubes do estado. Após
uma decepcionante campanha no campeonato de 1965, o Sergipe tratou de reforçar
o seu elenco investindo pesado na contratação daquele que já era considerado o
melhor apoiador do nosso futebol[2]. Foi assim que, no dia 5
de abril de 1966, Zé Pequeno iniciou uma trajetória que ficou marcada em sua
vida e na de milhares de torcedores ao estrear como titular do Club Sportivo
Sergipe em uma vitória sobre o Campinense-PB por 2 a 0.[3]
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Trecho da Gazeta de Sergipe de 20 de abril de 1966 noticiando o interesse do Sergipe pelo meia Zé Pequeno. |
Apesar de todo o investimento da diretoria rubra para o certame de 1966, o tão almejado título ficou nas mãos do clube da juventude da sua principal contratação. O América simplesmente conquistou o primeiro título para a cidade de Propriá ao derrotar o Confiança numa reedição da final do campeonato anterior.
Acontece
que a consagração de Zé Pequeno estava por vir no ano seguinte. A temporada
rubra de 1967 iniciou com grandes emoções quando a histórica equipe do Bangu-RJ,
então campeã carioca, enfrentaria o Sergipe em fevereiro em pleno Estádio de
Aracaju. Em uma partida de muita raça, a dupla de meio de campo formada pelos
craques Zé Pequeno e César regeram a orquestra rubra vencedora do duelo por 2 a
0, gols de Joel e Fernando. Simplesmente o Sergipe demonstrava mais um de seus
consagrados apelidos: o Derrubador de Campeões.[4]
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Placa decorativa referente à histórica vitória sobre o Bangu campeão carioca de 1966. Memorial Nivaldo Barros do Club Sportivo Sergipe. |
Era
questão de tempo para que Zé Pequeno conquistasse o seu primeiro título. A
histórica vitória sobre o Bangu era o prenúncio de uma temporada brilhante. A
primeira coroação ocorreu na decisão do campeonato de 1967 vencida pelo Mais
Querido sobre o seu maior rival. Simplesmente, Zé Pequeno fora eleito por
unanimidade o craque do ano pela imprensa, a mesma que passou a noticiar o
interesse do Flamengo-RJ pelo seu passe de 30 milhões de cruzeiros novos, soma
vultuosa para o futebol sergipano.
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As grandes atuações do Príncipe do Futebol Sergipano despertaram o interesse do Flamengo-RJ. Diário de Aracaju de 1968. |
Passados
os boatos da sua transferência, o agora Príncipe do Futebol Sergipano continuou
com o manto rubro para a temporada de 1968. Apesar de não ter conquistado
títulos, Zé Pequeno mais uma vez liderou o Vermelhinho numa vitória histórica,
dessa vez diante da Seleção de Novos da Argentina. Tratava-se da primeira
partida internacional do futebol sergipano. Os argentinos se preparavam para as
Olímpiadas do México em uma excursão pelo Brasil, com uma pausa em Aracaju para
defrontar o Sergipe. Com gols de Jorgeval, Fernando e Déo, o Mais Querido
venceu a partida por 3 a 1, em mais um grande marco na carreira de Zé Pequeno.[5]
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Lances da primeira partida internacional no estado de Sergipe. A partida terminou com a vitória do Mais Querido pelo placar de 3 a 1 sobre a Seleção de Novos da Argentina. |
Já
no ano de 1969 ocorreu o grande marco do esporte sergipano com a inauguração do
Estádio Lourival Baptista, o Batistão. Todo o estado parou diante do grande
evento que reunia os melhores do futebol sergipano diante da Seleção Brasileira
que conquistaria no ano seguinte o tricampeonato mundial. Infelizmente, não
ocorreu o encontro entre a realeza do futebol sergipano e a do futebol mundial,
já que José Silva esteve impedido devido a uma lesão. Mesmo assim,
aproximadamente 50 mil torcedores testemunharam o futebol arte das “feras do
Saldanha” que golearam por 8 a 2 o combinado local.
Ao
longo da carreira, Zé Pequeno formou meio de campo com jogadores memoráveis do
futebol sergipano. Desde o trio formado com Zé Torres e Carlos no Avoengo da
Ribeirinha (Propriá E.C.), passando pelas duplas com Bené e depois Cézar no
Mais Querido, não faltaram bons companheiros ao seu lado nos gramados. Porém, o
futebol sergipano estaria prestes a presenciar uma nova fase com a chegada do
técnico Dequinha, ex-jogador do Flamengo-RJ e da Seleção Brasileira, que trouxe
conceitos táticos e de treino dos grandes centros do esporte para o nosso
estado. Com “seu Deca” vieram também outros craques para o Sergipe, sendo que
dois deles se juntaram ao Príncipe do Futebol Sergipano para formar o mais
lendário trio da História Rubra: Zé Pequeno, Naninho e Aylton Rocha.
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A dupla de meio de campo Bené e Zé Pequeno, campeões sergipanos de 1967. Acervo do Almanaque do Gipão. |
As três temporadas em que o trio jogou junto representava o início de uma nova era do Club Sportivo Sergipe. Não só pelos aspectos técnicos trazidos por Dequinha, mas principalmente pela presença cada vez maior do torcedor colorado, que agora ocupava as gerais e as arquibancadas do Batistão. O Príncipe e os seus Súditos finalmente possuíam um templo condizente com a grandeza de ambos. Já no gramado, um perfeito entrosamento entre três grandes craques que conquistaram três títulos consecutivos, feito inédito na era profissional. A segunda coroação de José Silva fora tão gloriosa quanto a imponência das massas.
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Uma das consagradas formações do Club Sportivo Sergipe durante o tricampeonato de 1970, 71 e 72. Zé Pequeno é o segundo agachado da esquerda para a direita. Acervo Almanaque do Gipão. |
Após
a conquista do inédito tricampeonato, o Sergipe foi convidado a participar da
segunda edição do Campeonato Nacional de Clubes (o atual Brasileirão). Ao
contrário da fórmula curta e de eliminatórias da antiga Taça Brasil, a jovem
competição apresentava um calendário mais longo que exigiria um planejamento e
uma logística desafiadora para o Club Sportivo Sergipe. Era a primeira vez que
um clube do estado disputaria uma competição nacional do tipo contra as mais
qualificadas equipes do país.
Na
ocasião, Zé Pequeno pôde mostrar seu futebol frente a grandes times e
jogadores. Impossível de esquecer o dia em que esteve em campo junto aos seus
colegas em um Batistão lotado num empate suado frente a “Segunda Academia” do
Palmeiras, que ganharia o título da competição[6]. Também ficou guardado o
seu confronto mais acirrado com o Rei Pelé que, apesar da derrota por 1 a 0
(claro, gol do Rei), proporcionou uma atmosfera digna das realezas da bola.
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O Batistão completamente lotado para o duelo entre Sergipe e Palmeiras pelo Brasileiro de 1972. Acervo do Almanaque do Gipão. |
Apesar
da hegemonia no futebol sergipano, o Club Sportivo Sergipe estava ainda
distante das condições necessárias para uma competição nacional de alto nível. A
sina das brigas políticas internas, planejamentos mal elaborados e a
inexperiência em torneios nacionais, culminaram em contratações desastrosas,
aumento de dívidas e intrigas no vestiário. O resultado foi uma péssima
campanha na competição, mesmo com algumas boas partidas frente a fortes equipes
no Batistão. Não demoraria para que um bode expiatório fosse escolhido. Quando
o conjunto está perdido e desafinado, sobra a cabeça do seu regente, ou a coroa
do seu líder. Foi assim que no dia 03 de dezembro de 1972 Zé Pequeno vestiu
pela última vez a camisa do seu clube do coração num jogo oficial. A derrota
por 4 a 2 para o Internacional-RS pôs um fim melancólico na vitoriosa passagem
do Príncipe do Futebol Sergipano no Club Sportivo Sergipe.[7]
Zé
Pequeno ainda não havia completado 30 anos quando passou a defender o Vasco de
Aracaju no ano de 1973. Durante a competição, fez boas atuações com a equipe na
luta pelo título junto ao Itabaiana e ao Sergipe. No segundo turno Zé Pequeno
“deu o seu troco”: o Vasco venceu duas vezes o Sergipe, a última justamente na
final da fase, o que dificultou o caminho do Mais Querido para o tão sonhado
tetracampeonato.[8]
Porém a revanche não foi sobre o seu clube do coração ou sobre os súditos que
sentiam a sua falta, mas naqueles que criaram um caos dentro do Sergipe, ao
ponto de lapidarem a histórica sede social da Rua da Frente para sanar as
dívidas decorrentes do péssimo planejamento do Brasileiro de 1972. Até hoje não
se sabe que fim levou o dinheiro da venda da antiga sede.[9]
No
final da temporada de 1973, o Vasco de Zé Pequeno terminou na honrosa terceira
colocação do sergipano. O craque ainda viu seu alvirrubro deixar escapar o
tetracampeonato nos pênaltis para o Itabaiana em um Batistão lotado[10]. Além disso, viu
novamente os mesmos erros de planejamento e gestão da diretoria colorada no
Brasileiro de 1973. O futebol em Sergipe já não era tão atrativo para Zé
Pequeno. Foi assim que o nosso Príncipe decidiu abdicar dos gramados ao se
aposentar com 29 anos do futebol profissional.
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Entrevista feita por Jurandir Santos com Zé Pequeno em 2005. |
Por
outro lado, José Silva encontrou novas oportunidades profissionais ao migrar
para o Sudeste. Um roteiro comum em um contexto histórico tenebroso,
principalmente para a nossa região. Mesmo distante dos gramados que foram
palcos das suas coroações, Zé Pequeno não abandonou o futebol, disputando
competições amadoras em São Paulo. Retornou décadas depois com sua
aposentadoria para viver com seu povo Xokó na Ilha de São Pedro.
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Zé Pequeno com a camisa do Sergipe em uma partida contra o Propriá no final dos anos 1960. Acervo Almanaque do Gipão. |
Infelizmente,
Zé Pequeno nos deixou no dia 13 de julho de 2023, após resistir por anos a uma
forte diabetes. No seu velório não constou a presença de representantes dos
clubes, da federação, nem mesmo da imprensa. No entanto, não faltaram
reverências por parte dos seus súditos, principalmente os rubros, que sempre
reconhecerão a grandeza de um Príncipe que legou à Massa Colorada todo o seu
talento, honra e conquistas.
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Velório de Zé Pequeno na Ilha de São Pedro. Na imagem, o Cacique Bá representando o povo que tanto reverenciou o Príncipe do Futebol Sergipano. |
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Zé Pequeno recebendo o prêmio de Craque do Ano de 1967. Diário de Aracaju de 1967. |
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Reverência a Zé Pequeno e demais grandes ídolos da história rubra com apelidos consagrados no nosso futebol. Memorial Nivaldo Barros do Club Sportivo Sergipe. |
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Muito obrigado, Zé Pequeno. Será sempre eterno para a Massa Colorada. |
Agradecemos a ajuda do Prof. Alexandre Santos, do craque Delmar Teles e dos amigos pesquisadores Felipe Leite e Matheus Lima pelas dúvidas que nos tiraram na elaboração desta matéria.
[1]
Entrevista feita por Jurandir Santos com Zé Pequeno para o Semanário Sportivo
em 2005.
[2] Zé
Pequeno é caixa alta para o Sergipe. Gazeta de Sergipe, Aracaju, 20 de abr. 1966.
Disponível em: Jornais
de Sergipe: Gazeta de Sergipe (ufs.br). Acesso em: 16 de jul. 2023.
[3]
Galícia e Campinense quadraram no quadrangular. Gazeta de Sergipe, Aracaju, 07
de mai. 1966. Disponível em: Jornais de
Sergipe: Gazeta de Sergipe (ufs.br). Acesso: 16 de jul. 2023.
[4] ELIAS,
Wellington. De primeira. Gazeta de Sergipe, Aracaju, 18 de fev. 1967.
Disponível em: Jornais
de Sergipe: Gazeta de Sergipe (ufs.br). Acesso: 16 de jul. 2023.
[5]
SILVA, Davi Tenório Cavalcante. 50 Anos da espetacular vitória sobre a Seleção
Argentina de Novos. Club Sportivo Sergipe, 27 de fev. 2018. Disponível em: Club Sportivo Sergipe
(cssergipe.com.br). Acesso: 16 de jul. 2023.
[6]
Sergipe surpreendeu. Jornal da Cidade, Aracaju, 19 de ago. 1972. Disponível em:
Jornais de
Sergipe: Jornal da Cidade (ufs.br). Acesso em: 16 de jul. 2023.
[7] As
cortinas se fecham, o Sergipe apanha: 4 a 2. Jornal da Cidade, Aracaju, 05 de
dez. 1972. Disponível em: Jornais de
Sergipe: Jornal da Cidade (ufs.br). Acesso: 16 de jul. 2023.
[8] Vasco
é campeão do returno ganhou nos pênaltis. Jornal da Cidade, Aracaju, 09 de ago.
1972. Disponível em: Jornais de
Sergipe: Jornal da Cidade (ufs.br). Acesso: 16 de jul. 2023.
[9] VIANA
FILHO, F. A . Crônica Esportiva. Aracaju: Universidade Tiradentes – UNIT, 2014.
[10]
Itabaiana campeão nas penalidades. Jornal da Cidade, Aracaju, 23 de ago, 1972.
Disponível em: Jornais
de Sergipe: Jornal da Cidade (ufs.br). Acesso em: 16 de jul. 2023.
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