sábado, 4 de julho de 2020

DA FUNDIÇÃO AO ARIBÉ: o início da construção do Estádio João Hora

(Gazeta de Sergipe, ed. 13/07/1963)
Por Davi Tenório  

Ao longo de seis décadas, a Rua da Frente, hoje avenida Ivo do Prado, foi um relevante ponto de desportistas aracajuanos. Era então um hábito constante a presença de atletas a beira do Rio Sergipe que praticavam remo em suas águas, assim como jogadores de futebol dando voltas pelos quarteirões em treinos físicos e até mesmo maratonistas que se preparavam para as seletivas da São Silvestre. Isso ocorria devido à localização das sedes das veteranas agremiações Cotinguiba e Sergipe, que foram erguidas no final do logradouro. Os dois clubes eram verdadeiros marcos urbanísticos do antigo bairro da Fundição, hoje conhecido como São José. Os finais de semana tornavam-se agitados com as competições realizadas pelas duas agremiações, além dos saudosos bailes de Carnaval.
A histórica sede do Club Sportivo Sergipe na Rua da Frente (Acervo Dida Araújo).



Atualmente, apenas o decano Cotinguiba permanece em seu local histórico. Já o Sergipe iniciou o processo de construção de uma nova sede na década de 1960, impulsionado pelo antigo sonho de erguer um estádio próprio que comportasse um amplo aparato esportivo. Apesar da localização privilegiada, do amplo casarão, da quadra e da garagem dos barcos, a sede da Rua da Frente não era suficiente para todas as atividades do clube. Prova disso é que o Sergipe necessitava de um novo local de treinamentos para a equipe de futebol, já que o antigo Estádio Adolpho Rollemberg fora condenado à demolição devido ao seu precário estado e à especulação imobiliária.
Foto aérea da antiga Fundição, hoje Bairro São José, nos anos 1950. Em vermelho a antiga sede do Sergipe, em branco a sede do Cotinguiba, em verde o antigo Estádio de Aracaju (Foto colorizada pelo Almanaque do Gipão).
Da movimentada e valorizada Rua da Frente, o Mais Querido adentrou ao interior da cidade, estabelecendo-se em uma localização pouco habitada do Siqueira Campos, outrora denominado "Aribé" (nome referente ao utensílio de barro que os ex-escravos e migrantes da região do São Francisco produziam naquela região). Há duas versões sobre a justificativa do local escolhido: a que o patrono do clube, o ilustre comerciante e desportista João Hora de Oliveira, possuía o terreno naquela região e doou à instituição, história amplamente divulgada, tida como oficial e defendida por seus descendentes, como o ex-dirigente Beto Hora; e a que o próprio clube, liderado pelo João Hora, utilizou a sua cota da venda do antigo Adolpho Rollemberg para comprar parte do sítio pertencente a um morador da região chamado "seu Amaro", versão que consta na obra do memorialista Murillo Melins e defendida por ex-dirigentes como Antônio Matos.


Matéria sobre o local da nova sede do Sergipe. (Gazeta de Sergipe, ed. 13/07/1963)
Segundo o ex-presidente Antônio Matos, que presidiu o clube em 1963, o local era de difícil acesso devido aos areais, sendo necessário percorrer um caminho a pé em torno de 400 metros da esquina das ruas Amapá e Bahia até o terreno da construção. O ex-dirigente nos conta que a construção da nova sede foi fundamental para a abertura de uma das principais vias urbanas de Aracaju, a Avenida Rio de Janeiro. Após encontro da diretoria rubra com o prefeito da cidade, este atendeu a solicitação do Sergipe para a abertura da estrada margeando a linha férrea até o local das obras. 

Obras no Estádio João Hora, ao fundo a antiga fábrica de cimento (Acervo Dida Araújo)
Em que pese a polêmica sobre a aquisição do terreno, havia a necessidade de angariar novos recursos para bancar as obras da construção do Complexo Esportivo. Houve, então, uma campanha para arrecadar tais valores a partir da venda de títulos patrimoniais da nova sede. Em menos de um mês, o Sergipe havia alcançado a marca de 1.000 títulos vendidos, tendo como proprietários pessoas de diversas classes sociais, como o ferroviário e ex-combatente da FEB Pedro Hilário, cuja história contamos anteriormente neste blog¹, políticos como o governador Seixas Dória e o prefeito Godofredo Diniz, e até mesmo o bispo da cidade de Estância.

(Gazeta de Sergipe, ed. 07/07/1963)
Não havia dúvidas de que o Club Sportivo Sergipe não se limitava ao antigo bairro da Fundição. Apesar de ter sido originado de uma parcela da elite comercial, o clube não tardou a abrir as suas portas às pessoas das mais diversas classes sociais. A veterana instituição exerceu papel de vanguarda ao adotar o primeiro atleta negro, priorizava atletas locais em seus quadros e possuía inúmeros torcedores pelo interior do estado²³. Além disso, as glórias nas águas e nos gramados também foram determinantes para a popularização do clube. Sendo assim, erguer a sua sede na zona oeste da cidade, no mais populoso bairro da cidade, fundado por descendentes de escravos e recém-chegados do interior, fugitivos da seca e do cangaço, apenas reafirmava que o Mais Querido estava no coração dos sergipanos.

Título de Sócio Proprietário do rubro Pedro Hilário (Acervo familiar).

Aos poucos era erguida a nova casa do Clube do Povo. Nota-se que houve um grande atraso entre o início da construção em 1963, até a sua inauguração em julho de 1970, mas esses detalhes contaremos nas próximas publicações do nosso blog, assim como o destino da antiga sede do Mais Querido.


(Gazeta de Sergipe, ed. 16/07/1963)
(Gazeta de Sergipe, ed. 10/07/1963)
(Gazeta de Sergipe, ed. 09/07/1963)

 NOTAS

 ¹ ALMANAQUE DO GIPÃO. Relembrar para não repetir: Golpe Militar perseguiu colorados em Sergipe. Disponível em: <http://almanaquedogipao.blogspot.com/2019/03/relembrar-para-nao-repetir-golpe.html> . Acesso em: 04 jul. 2020.
² GLOBOESPORTE. Conheça um pouco de Alfredo Roque Coutinho, um dos ídolos e primeiro jogador negro do Sergipe. Disponível em: <https://globoesporte.globo.com/se/futebol/times/sergipe/noticia/conheca-um-pouco-de-alfredo-roque-coutinho-um-dos-idolos-e-primeiro-jogador-negro-do-sergipe.ghtml> . Acesso em: 04 jul. 2020.
³ ALMANAQUE DO GIPÃO. O protagonismo rubro para além de um século. Disponível em: <http://almanaquedogipao.blogspot.com/2019/06/o-protagonismo-rubro-para-alem-de-um.html> . Acesso em: 04 jul. 2020. 

REFERÊNCIAS

CHAVES, Rubens. Aracaju: pra onde você vai? Aracaju: Edição do Autor, 2004.

MELINS. Murillo. Aracaju romântica que vi e vivi, p. 219-227 
Gazeta de Sergipe, edições de julho de 1963. Disponível em: <jornaisdesergipe.ufs.br/>
EXPRESSÃO SERGIPANA. Do velho Aribé ao Siqueira Campos. Disponível em: <https://expressaosergipana.com.br/do-velho-aribe-ao-siqueira-campos/ >. Acesso em: 04 jul. 2020.
Revistas Gigante Rubro. Disponíveis em: < http://almanaquedogipao.blogspot.com/2019/03/revista-gigante-rubro-1977.html >
Entrevista com Antônio Matos, ex-presidente do Club Sportivo Sergipe na década de 1960, para o Almanaque do Gipão via redes sociais.

Um comentário:

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